- Bruna Thumé
- 16 de nov. de 2022
- 5 min de leitura
Atualizado: 7 de abr.

Quando investigamos a genealogia de descendentes de pessoas escravizadas, encontramos muita dificuldade na localização de documentos. Isso porque os registros da escravidão são escassos e por vezes bastante incompletos.
Mas nós, do Guia Imigrante, buscamos ajudar no resgate histórico familiar, e não apenas de famílias europeias! Todos merecem ser lembrados, principalmente aqueles que foram por tanto tempo silenciados.
Por isso, nesse post vamos falar um pouco sobre como eram os registros de pessoas escravizadas. Vamos lá!?

Os registros da escravidão no Brasil
Estamos muito acostumados hoje com os registros civis de nascimento, casamento e óbito. Mas o que poucos sabem é que esses registros como conhecemos, tiveram início no Brasil só no ano de 1888. Antes disso, eram feitos apenas registros religiosos pelas igrejas.
Como a abolição da escravatura aconteceu apenas nesse mesmo ano, 1888, os registros de pessoas escravizadas eram religiosos, e não civis.
Como eram os registros de pessoas escravizadas?
Os principais registros das pessoas escravizadas eram os de batismo, casamento, óbito e os registros de compra e venda. Além disso, eram comuns também os anúncios nos jornais, tanto para compras e vendas, quanto para recompensas pela captura de escravos fugitivos.

Batismo
Os registros de batismo traziam as informações básicas, como nome, provável etnia, nome dos padrinhos e nome dos pais. Alguns registros possuíam outras informações, no entanto uma diferença marcante era que todos os registros continham o nome do possuidor da pessoa escravizada, o seu "Senhor".
"Cumpre dizer que o assento de pessoas negras, escravas ou forras, possui características diferenciadas das outras registradas no mesmo códice, visto que aquele também informa o nome do possuidor do escravo que será batizado; ao fazer alusão ao nome dos pais do batizando, revela o primeiro nome deles, seguida da sua provável etnia e, quando os padrinhos são também escravos, registra-se igualmente o nome do(s) seu(s) senhor(es)". (OS ESCRAVOS EM REGISTROS DE BATISMO E DE ÓBITO DE GOIÁS NOS SÉCULOS XVIII E XIX)
Vejamos aqui um exemplo de um registro de batismo:

Transcrição:
"Nota nº 2085: Art 6º do Regulamento nº 4.835, de 1º de dezembro de 1874. Francisco Felix de Almeida Samp., residente neste Município, declara que no dia 22 de 74 de - de 1879 nasceu de sua escrava solta de nome Esmeralda, cor preta, serviço de lavoura, que se acha matriculada com os números 3172 da matrícula geral do Município e 24 da relação aprezentada pelo M. uma criança de cor preta do sexo feminino idade dez batizada com o nome de Davina. Província de Bahia, Município de Nazareth, Parochia de Santo Antônio de J., cidade de Nazaret, 19 de - de 1879. Francisco Felix de Almeida Samp.". (FFCH-UFBA: Documentos sobre a escravidão na Bahia)

Óbito
Quanto aos registros de óbito, estes continham a data do falecimento e outras informações como a raça, faixa etária e condição social nos casos de falecimento após a abolição da escravatura ou quando o indivíduo já houvesse recebido sua alforria.
"Os registros de óbito se iniciam com a data do falecimento, seguem com o nome do falecido, sua “raça” (negro, branco, crioulo, mulato) e elementos variáveis, como a condição social (pobre, escravo), a faixa etária aproximada (adulto, párvulo, inocente) etc. Vale ressaltar que, quando se trata de escravo, consta, ainda, o nome do seu dono e, se o morto é párvulo ou inocente, menciona-se também o nome dos seus pais ou ao menos de um deles". (OS ESCRAVOS EM REGISTROS DE BATISMO E DE ÓBITO DE GOIÁS NOS SÉCULOS XVIII E XIX)
Registro de compra
Um registro exclusivo das pessoas escravizadas era o Registro de Compra. Nele um "Senhor" passava a posse do escravo para outro "Senhor", especificando suas características físicas e outras informações.
Vejamos um exemplo:

Transcrição:
"Francisco Felix de Almeida Samp. declara a esta Colletoria que comprou a Feliciano Francisco de Souza um escravo de nome Manoel de idade de 16 annos solteiro matriculado na Colletoria Maragogipe em 17 de junho de 1873 sobre o número 2969. Comprou mais a Lucio Jozé de Souza um escravo de nome Avelino com idade de doze annos matriculado em onze de julho de 1873 na cidade de Maragogipe com o número 3333 ambos empregados no serviço da lavoura Freguesia de Santo Antônio de Jesus 2 de Abril de 1875. Francisco Felix de Almeida Samp.". (FFCH-UFBA: Documentos sobre a escravidão na Bahia)



Escravos fugitivos
Apesar de não serem registros, por vezes é possível encontrar muitas características sobre a pessoa escravizada nos anúncios de fuga. Isso porque como o objetivo era a localização da pessoa, os "Senhores" não poupavam esforços nas "descrições".



Os registros hoje
Para a reconstrução da história familiar, a localização de registros é muito importante. Contudo, muitos deles se perderam no tempo por diversas razões. Além disso, a própria degradação do tempo torna difícil a conservação de livros por um período muito longo.
Hoje, no entanto, existem muitas iniciativas para a preservação desses documentos tão importantes para a história do Brasil, dentre elas as digitalizações feitas pela Igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias, por meio do projeto FamilySearch.
Ainda, os cartórios responsáveis por acervos desse tipo muitas vezes buscam formas de preservação desses documentos, garantindo assim que as fontes históricas permaneçam disponíveis.
Nesta reportagem você pode ver uma iniciativa de um cartório para a preservação destes registros.
A história oral
Na busca pela reconstrução histórica, os registros são importantes, mas não são tudo.
A história oral tem um papel fundamental na compreensão da vida das famílias e suas experiências.
Por isso, os testemunhos daqueles que viveram ou conviveram com pessoas que viveram a realidade da escravidão é extremamente rico e nos impulsiona a refletir sobre os caminhos que passaram os nossos ancestrais.
Nesse vídeo, você pode ver o testemunho de um senhor ex-escravo, de 120 anos!
Reflexões sobre os registros da escravidão
Os registros civis são um acontecimento novo na história, como falamos anteriormente. Antes disso, estes eram feitos pelas igrejas e tinham pouca, ou nenhuma padronização.
Nos casos dos negros escravizados, as informações eram poucas, de modo que não era possível saber seus verdadeiros sobrenomes, origens específicas, nomes dos pais e avós, dentre outros campos comuns em nossas certidões atuais.
Por essa razão, investigar a genealogia das famílias africanas é difícil, e representa um grande desafio para nós do Guia Imigrante.
Queremos poder resgatar, ao menos um pouco, a trajetória desses povos. E viemos gradativamente construindo uma base para que possamos fazer isso.
Afinal, nós acreditamos muito que a reconexão com as origens é muito importante para a identidade das famílias, principalmente aqueles que tiveram essa memória apagada pelos acontecimentos históricos.
Durante este mês, estaremos trazendo conteúdos relacionados à consciência negra e a genealogia africana. Acompanhe nossos posts!
Até mais.